18.12.06

Tristes são os sonhos que guardo para mim. Porque neles encerro quem sou. Porque a todos não mostro o que neles encerro. Às vezes queria plantar sonhos e fazê-los nascer como nascem as ervas daninhas. Mas os sonhos são coisa rara. Os sonhos escrevem-se a lápis, nunca a tinta. Isso é ruim. Os sonhos deviam ser escritos a tinta. Daquela tinta que não sai e fica sempre gravada no lugar dos sonhos. Leva-me ao lugar dos sonhos. Levo sim. Agarra a minha mão e vamos ao lugar dos sonhos, onde os sonhos se plantam e crescem como ervas daninhas e se escrevem a tinta permanente.

(As palavras nunca parecem demais para preencher o branco da folha. O ritmo da caneta parece-me bem. Escrever é belo e é bom. Mas às vezes uma palavra a mais, faz-nos pensar, devia parar por aqui. Eu paro. Talvez pare por aqui, mas aqui…sim aqui dentro, não paro.)

20.11.06



Hoje acordei com o beijo da manhã a puxar-me dos lençóis. Abri a janela e respirei o ar lá fora. Parece-me bem. O céu está com nuvens, mas não as suficientes para chover. O meu peito faz questão de me dizer que queria que chovesse. Aceito a ideia. Hoje o coração e a mente parecem concordar um pouco mais que o costume. E os olhos fecham-se na esperança de chover e ser a chuva a bater-me à porta. Abro a porta. É só o vento a entrar-me no corpo. Aquele vento frio que me deixa os dedos dos pés gelados. Visto a camisola de lã azul, visto as calças de ganga gastas. Ponho o gorro na cabeça, e deixo-me estar à espera. Só saio se chover, só saio se chover, só quero que chova, só saio se chover. Quero o frio na pele, e o quente no peito. O quente que me faz viver, e o frio que me faz sentir quente no meio do gorro e do cachecol. Sei que é só mais um frio, e só mais uma chuva, mas faz-me bem. Faz-me cruzar os braços e apertar quem está dentro do coração. Faz-me aconchegar a cabeça e reter para sempre aqueles que vivem lá. Faz-me as pernas tremer e procurar as pernas ao lado para me aquecer. Faz-me querer a chuva para dançar na rua, sem nada, sem pensar sequer que tenho frio e que é estranho. Quero abraçar o que está dentro de mim e me faz tão bem.

Só saio se chover, só saio se chover, só quero que chova…

....

Os dedos giram como se estivessem fora da mão, assim como o espaço à minha volta que parece fora do mundo. Há o amor a dizer baixinho que nos ama, e nós a dizermos baixinho ao amor para ficar mais perto de nós. E ele vai descendo do ar, e vai ficando a planar sobre as nossas cabeças, beijando-nos os fios de cabelo levantado, e depois a cabeça, e depois os olhos e a boca. E nós deixamos que o amor nos beije, como se o tempo estivesse parado e o nosso amor fosse intemporal e infinito. Era tão bom que o tempo ficasse imóvel, e o nosso tempo fosse único e especial para sempre…mas nós sabemos que não, amor…a nossa única vontade é estarmos aqui agora. A nossa alegria é não estarmos nunca sozinhos no futuro, porque temos sempre o nosso eu. O nosso eu nunca nos abandona. O nosso eu que é o único que podemos dizer que vai ficar sempre connosco e o amor irá sempre beijar. Eu não sinto amor por mim, mas sinto a vontade de me amar para saber que não estou só. Sinto a necessidade de puxar o amor para baixo, como se fosse algo natural…mas não é. O amor natural é o nosso, e o meu amor fingido por mim é a ilusão de me proteger. Os dedos giram como se estivessem fora da mão, e entrelaçam-se na tua cara, sentem a tua pele, agarram em bocados de ti que se guardam para sempre em mim. Talvez assim eu possa lembrar que um dia fomos amor, e que um dia tivemos o tempo do nosso lado. A única certeza é a incerteza do amor…e por isso continuamos a ouvir os violinos dos amantes, aqueles que tocam afinados e certos num compasso tão triste que nos deixa a nós sozinhos. Sozinhos no meio de notas musicais escuras e lentas, no meio de um amor cada vez mais nosso, e cada vez mais longe por o sabermos pequeno e finito.

21.10.06

Olhares que nunca esmorecem a vontade de olhar. Olhar as cores, olhar os roxos, os azuis, os castanhos, os verdes, os amarelos...olhar as palavras que se soltam de balões expelidos das bocas dos que passam, olhar cada bocadinho de vida, cada bocadinho de amor, cada bocadinho de beleza e de coisas que nos fazem querer ser maiores, para nos caber tudo dentro do peito. Parece pouco para tanto...mas fica sempre o que se olha, e o que se sente quando se vê as coisas repetidas, que parecem ser vistas pela primeira vez. É bom olhar os sonhos, e sabe bem recordá-los e querê-los. E é bom saber que os olhares nunca esmorecem a vontade de olhar. É bom saber que os olhares nunca perdem a vontade de falar. Falar de coisas boas e fazer sorrisos.

20.10.06

Estrela do Mar

Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
E em que o sono parecia disposto a não vir
Fui estender-me na praia, sózinho, ao relento
E ali longe do tempo, acabei por dormir

Acordei com o toque suave de um beijo
E uma cara sardenta encheu-me o olhar
Ainda meio a sonhar perguntei-lhe quem era
Ela riu-se e disse baixinho: estrela do mar

"Sou a estrela do mar só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."

Não sei se era maior o desejo ou o espanto
Só sei que por instantes deixei de pensar
Uma chama invisível incendiou-me o peito
Qualquer coisa impossível fez-me acreditar

Em silêncio trocámos segredos e abraços
Inscrevemos no espaço um novo alfabeto
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro
Mas mil anos são pouco ou nada para estrela do mar

"Estrela do mar
Só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."

Jorge Palma

Voltas e mais voltas, entre curvas e linhas...e eu no centro e tu na outra ponta, mas por mais voltas e curvas haverá sempre uma linha recta por onde eu e tu passamos e damos as mãos, e as pestanas tocam umas nas outras, e os pés se entrelaçam e se dançam, por entre abraços apertados que nos tiram o ar, e nos devolvem a doçura no olhar...
O silêncio. Só o silêncio é que escuta os beijos de traços disfarçados. Só o silêncio percebe que os lábios se encaixam no teu queixo, como se eles tivessem sido esculpidos para ti. Só o silêncio se rasga para ouvir o que os lábios querem dizer, o que os lábios querem sentir e fazer sentir. És tu, e é ele, e são eles, e são os beijos que soltam palavras doces, e são vocês...

28.9.06

Coisas. Coisas pousadas nas coisas, pousadas no chão. Coisas que vêem o que vêem as coisas, e recolhem memórias.
Memórias...
Nas coisas,
Dentro das coisas,
Por cima e por baixo das coisas,
Cem coisas,
Sem coisas,
Por coisas,
Para coisas,
Coisas, coisas, coisas...
"São coisas, são só coisas"
Mas eu vejo coisas,
Mas eu sinto coisas,
Mas eu sinto as coisas...

Tenho o coração nas mãos amor...
Felizes são aqueles que nunca tiram o coração do peito, pois o coração está mais perto de nós, e mais perto da razão.
Dantes tinha o coração nas mãos, agora não sei onde o pus...

22.9.06

Pés marcados na areia.Pés a caminhar. Pés meus. Pés teus. Pés nossos. Pés que começam a andar por entre espacinhos de preto e púrpura, prontos para dançar entre momentos, prontos para captar momentos, prontos para colar momentos no preto...