25.7.08

Nada que o tempo possa conhecer, pode trazer de volta as lembranças de quando eu era pequena. Só o tempo que trago comigo é que as pode trazer. Quando era pequena e fazia do mundo a minha bola, que os meus pés pequenos, e os dos outros, chutavam contra o espaço limitado por duas grandes pedras, que era a nossa baliza improvisada. E aí o tempo conhecia-me bem, e eu tratava-o por tu. Nada que o tempo possa conhecer, pode trazer de volta as lembranças de quando eu era pequena. E no entanto traz. E faz-me lembrar de quando eu era pequena e usava calções e nada sabia. E nas pernas trazia os pêlos finos da inocência. Aqueles que ainda não se tiravam por serem demasiado insignificantes. O tempo traz a lembrança daqueles tempos em que os adultos ainda me perdoavam os erros e deixavam escapar abraços quando acordava a chorar durante a noite com os pesadelos dos fantasmas. O tempo traz a lembrança de quando os adultos nos seguravam, e nos apanhavam no ar só com uma mão. Agora, só alguns me conseguem apanhar no ar, usando as duas mãos, e sabe deus como lhes custa. O tempo traz a lembrança dos tempos em que não sabia das tristezas do mundo e o mundo não sabia das minhas. E ficávamos os dois na ignorância, porque ficar na ignorância nestas coisas é sempre melhor. Ficávamos e ponto final. Não interessavam as vidas paralelas dos outros, não interessava o sentido da minha, a estética, o design, o sentido artístico ou a dimensão arquitectónica daquilo que fazia, das palavras que proferia, o que desejava, o que sentia…Aprendi quando era pequena a fazer do mundo o meu recreio, visão que acho muito mais evoluída. Uma visão determinada, astuta, faria quiçá um brilharete no mundo dos adultos.
Nada que o tempo possa conhecer, pode trazer de volta as lembranças de quando eu era pequena. E no entanto traz. Traz de uma forma súbita e quase dolorosa. Ele não me visitava quando era pequena. Só agora com algumas rugas e alguns cabelos brancos aparece. E eu como sempre ofereço-lhe chá de tília com biscoitos de canela, tentando desfiar o fio da conversa e encurtar-lhe as pernas, para que ele não corra atrás de mim. Há que ganhar vantagem e fugir. Porque ele traz as lembranças e talvez algo mais.

1.7.08

Porque renascemos com os abraços

Tu, sim tu aí, dá-me um abraço. Não tenhas medo de te sentir mal com o sentimentalismo puro dos seres. Dá-me um abraço.