20.11.06



Hoje acordei com o beijo da manhã a puxar-me dos lençóis. Abri a janela e respirei o ar lá fora. Parece-me bem. O céu está com nuvens, mas não as suficientes para chover. O meu peito faz questão de me dizer que queria que chovesse. Aceito a ideia. Hoje o coração e a mente parecem concordar um pouco mais que o costume. E os olhos fecham-se na esperança de chover e ser a chuva a bater-me à porta. Abro a porta. É só o vento a entrar-me no corpo. Aquele vento frio que me deixa os dedos dos pés gelados. Visto a camisola de lã azul, visto as calças de ganga gastas. Ponho o gorro na cabeça, e deixo-me estar à espera. Só saio se chover, só saio se chover, só quero que chova, só saio se chover. Quero o frio na pele, e o quente no peito. O quente que me faz viver, e o frio que me faz sentir quente no meio do gorro e do cachecol. Sei que é só mais um frio, e só mais uma chuva, mas faz-me bem. Faz-me cruzar os braços e apertar quem está dentro do coração. Faz-me aconchegar a cabeça e reter para sempre aqueles que vivem lá. Faz-me as pernas tremer e procurar as pernas ao lado para me aquecer. Faz-me querer a chuva para dançar na rua, sem nada, sem pensar sequer que tenho frio e que é estranho. Quero abraçar o que está dentro de mim e me faz tão bem.

Só saio se chover, só saio se chover, só quero que chova…

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Os dedos giram como se estivessem fora da mão, assim como o espaço à minha volta que parece fora do mundo. Há o amor a dizer baixinho que nos ama, e nós a dizermos baixinho ao amor para ficar mais perto de nós. E ele vai descendo do ar, e vai ficando a planar sobre as nossas cabeças, beijando-nos os fios de cabelo levantado, e depois a cabeça, e depois os olhos e a boca. E nós deixamos que o amor nos beije, como se o tempo estivesse parado e o nosso amor fosse intemporal e infinito. Era tão bom que o tempo ficasse imóvel, e o nosso tempo fosse único e especial para sempre…mas nós sabemos que não, amor…a nossa única vontade é estarmos aqui agora. A nossa alegria é não estarmos nunca sozinhos no futuro, porque temos sempre o nosso eu. O nosso eu nunca nos abandona. O nosso eu que é o único que podemos dizer que vai ficar sempre connosco e o amor irá sempre beijar. Eu não sinto amor por mim, mas sinto a vontade de me amar para saber que não estou só. Sinto a necessidade de puxar o amor para baixo, como se fosse algo natural…mas não é. O amor natural é o nosso, e o meu amor fingido por mim é a ilusão de me proteger. Os dedos giram como se estivessem fora da mão, e entrelaçam-se na tua cara, sentem a tua pele, agarram em bocados de ti que se guardam para sempre em mim. Talvez assim eu possa lembrar que um dia fomos amor, e que um dia tivemos o tempo do nosso lado. A única certeza é a incerteza do amor…e por isso continuamos a ouvir os violinos dos amantes, aqueles que tocam afinados e certos num compasso tão triste que nos deixa a nós sozinhos. Sozinhos no meio de notas musicais escuras e lentas, no meio de um amor cada vez mais nosso, e cada vez mais longe por o sabermos pequeno e finito.