1.2.08

Um corpo. Dois corpos. Células e milhares de ínfimas coisas que nos constituem e nos fazem parecer tão grandes à beira das coisas pequenas. Um corpo. Um corpo com toda a multiplicidade de sentimentos, com toda a intrincada rede de veias e artérias que rodam em voltas profundas, em arcos sem sentido que rodopiam. E nesses arcos e voltas, os nossos vasos encontram-se e os ligamentos de uns rodeiam os outros, em ligações cada vez mais espessas. Provo o sangue que corre e não me sabe a sangue. Sabe a uma mistura dos cheiros que nos compõem. Sabe a pele arrepiada com olhos historiadores e lábios molhados. Sabe a mãos dadas e olhares presos. Sabe-nos. Um corpo. Dois corpos. Dois corpos que são pele em nós. Os poros que nos cobrem em sintonia. A brotar partículas do que o sangue contém e representa. Partículas que se juntam e formam grandes cordões. Cordões que saem de cada poro que nos cobre e que se espalham como antenas cortando o ar. Cordões que nos atam e ao mesmo tempo nos soltam e nos envolvem em nuvens multicolores que pintamos com pincéis e tinta do nosso corpo. As mãos ossificam-se por instantes. Ossos, músculos e tendões.
Os peitos unem-se e os corações modificam os batimentos para se encaixarem um no outro. Fizemos acreditar ao mundo que o coração tem oito divisões e que em cada uma delas habitam outros corações e dentro desses ainda outros. Somos ao todo mil e trezentos corações a bater em uníssono e a espalhar o que somos por cada fibra.
E os fios de cabelo jazem uns em cima dos outros, num emaranhado em que as cores se juntam e os cabelos encaracolados e lisos não se conseguem distinguir. Formam um aglomerado de formas e cores que combinam. Texturas suaves e sonhadoras, de cheiro a frutos, a vento e a perfumes que se entrecruzam.
Os narizes tocam-se e ficam a fitar-se lentamente como se tivessem olhos.
Os olhos juntam os nervos que os envolvem e a íris movimenta-se em torno de um eixo invisível que vê ao mesmo tempo dois corpos, e quatro pares de olhos.
Os braços fundem-se como ramos, na tentativa de chegar mais perto. As pernas fundem-se como um tronco só, na tentativa de tocar o interior dos interiores.
E os dois corpos deixam de ser dois. Um corpo. E no entanto és tu e eu. Um corpo maior e concêntrico. Estás em mim, por dentro de mim.

7 comentários:

D. disse...

um corpo. dois corpos. três corpos. e nenhum corpo.

Cão disse...

somos um corpo de amor puro, doce e especial...somos algo jamais vivido e algo irreconhecivel aos olhos da experiencia cognitiva...o teu olhar, belo e colorido provoca uma alegria extrema no meu peito...o teu toque, suave e terno aquece-me o corpo...o teu cabelo afaga-me a cara num mar de carinhos jamais inatingivel...es açucar que me adoça o interior...
Gosto muito de ti :)

Cão disse...

*jamais atingivel (ou isso :P)

Anónimo disse...

Uma visão diferente da anatomia* Adorável.

Pedro Correia ou Poeta Acácio disse...

...sempre detestei biologia. É por estas e por outras que vou para informática! hehehe

Não deixa de ser uma grande visão da anatomia...

Beijos do pirimo

TENHO DITO

violent.femme disse...

julgo ter coseguido que o meu coração se multiplicasse até aos mil e trezentos. mas não bateram em uníssono. bateram em contratempo. acelerado. vagaroso. até voltar a ser um.

deliciosa descrição.

Anónimo disse...

Dois corpos...porém, sao o simbolo de tantos corpos, que contam a sua história, enlaçados um no outro...Corpos vivos, sentidos e amados... Quando estão juntos, transbordam-se em muitos mais corpos...em muitas mais vidas.

adorei xelmita**